quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Reflexões sobre a globalidade

Na década de 1990 quando os sucos Del Valle chegaram ao Brasil, escolheram a TAM como um dos canais para divulgar seus produtos via formadores de opinião. Os voos da TAM, aliás, eram cenários de bons brindes nessa perspectiva, a da promoção de novos produtos. Os sucos tinham um sabor diferenciado, eram densos e agradavam ao consumidor. Em 2013, depois de comprada pela Coca Cola em 2006, a Del Valle é um triste arremedo do que foi nos anos 1990. Os sucos ficaram ralos, aguados e fortemente açucarados, como os demais produtos produzidos pela Coca Cola e em nada lembram aquele sabor tão diferenciado. Não são poucos os romances e filmes de ficção científica que tratam de tempos futuros nos quais a humanidade será dominada por grandes companhias multinacionais ou interplanetárias que abusarão de seus consumidores que, compulsoriamente, terão que se curvar aos seus produtos e serviços. Rollerball, um filme de 1975 dirigido por Norman Jewison e estrelado pelo então galã James Caan, é ambientado em 2018 (estamos perto) e mostra o mundo dominado pelas grandes corporações que substituíram o Estado. O tema é um tipo de jogo de alta letalidade que mistura hockey sobre patins com bolas de aço, motos e outros instrumentos letais numa arena oval e inclinada. A ideia era, com esse esporte, substituir as guerras reais e dar vazão aos ódios da sociedade. No filme Alien, o oitavo passageiro, de 1979, o representante de uma grande corporação que financia as viagens siderais tenta a todo custo manter vivo o monstro que se instalou na nave para leva-lo à empresa, ainda que isso vá custar a vida dos tripulantes. As grandes corporações têm em suas mãos boa parte dos serviços essenciais como os transportes, as telecomunicações, energia elétrica e alimentação. E pouco se lhes importam os processos e denúncias na imprensa e nas redes sociais. As grandes corporações tratam de mudar os hábitos de consumo das sociedades mundo afora. É com tristeza que vemos argentinos, portugueses e espanhóis consumindo cerveja aos montes e deixando de lado a tradição do bom vinho, muito menos nocivo e de menor consumo em razão do menor volume e maior preço. Mas lá está a Inbev comprando as cervejarias, destruindo vinícolas e invadindo as tradições. No começo dos anos 1990 fiquei escandalizado ao saber que a Coca Coca invadia a China de forma brutal tratando de banir daquela sociedade o costume de beber o chá. Coca Coca é muito melhor, ensinavam os demonstradores à porta das fábricas. Do mesmo jeito, com caminhões abertos e apresentações teatrais, a Coca Cola correu a Mama África nos anos 1970\80 divulgando o seu xarope escuro. Mas nada foi mais assustador do que saber que eles, da Coca Cola, distribuíam geradores e geladeiras para os Tuaregues consumirem o refrigerante em seus acampamentos, desprezando o chá quente, um hábito, como na China, milenar naqueles desertos ao Norte do Continente Africano. Nessa segunda semana de janeiro de 2013 fico sabendo que os Pub londrinos estão virando supermercado express. Sim, as cadeias de supermercados compram os Pub já sacrificados pela crise europeia e aproveitando a licença que as casas têm para a venda de bebidas, agregam outros produtos e vão tomando conta dessa tradição inglesa. Pub vem de public, ou seja, um local público onde TODOS podem frequentar, diferente dos tradicionais clubes masculinos ingleses onde só entram os associados e seus convidados. É uma transformação parecida com aquela que as Lojas Americanas fizeram no Brasil com a rede de locadora Blockbuster. As multinacionais de cervejas, a Inbev a pior delas, ao tempo em que sufocam outras marcas e difundem o seu produto associado ao esporte (os cigarros fizeram essa estupidez também até os anos 1980), geram também um movimento “revolucionário” de cervejas artesanais que eclode em todo o mundo. Esse movimento pode ser a redenção dos Pubs e cervejarias. Claro, podemos falar também da produção de medicamentos e da compra de todos os serviços de saúde por grandes multinacionais do ramo. Mas isso seria muito trágico logo nas primeiras semanas no ano. Agora, só a título de warm up: quando tivermos apenas duas operadoras de planos de saúde no país e a sua entender que “não procede o diagnóstico” que seu médico lhe fez para extrair um tumor altamente suspeito num órgão vital, a quem você vai recorrer? Será que dá tempo de chegar ao STF?

Um comentário:

  1. J.Ruy,
    Quando me perguntou se esse movimento era normal acho que respondi que era "natural"... mas o consumo é opcional e creio ser o não-consumo uma das poucas formas de resistência que nos resta.
    Quanto aos serviços de saúde, não podem ser tratados como meras mercadorias já que não se trata de consumo - não temos escolha, a alternativa frequentemente é final ou, no mínimo, trágica. Por isso deve ser um serviço público universal, ainda que haja a opção do serviço de financiamento privado.
    Creio que a educação vai no mesmo caminho, é um serviço essencial para a existência da civilização.
    Abraço,
    Mauro

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