quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Café & Antropologia

Em janeiro deste ano escrevi neste blog matéria sob o título Reflexões sobre a globalidade na qual abordei a questão da inserção forçada de novos costumes nas diferentes sociedades. Falei então da invasão da Coca Cola na China e na África, onde interferiu na milenar tradição do consumo do chá. No Norte africano os Tuaregues foram assediados até com brindes como geradores portáteis e geladeiras para “tomarem gosto” pelo refrigerante negro. Dizem que o chá quente tem efeito na resistência desses povos nômades ao calor do deserto. Já a Coca Cola manda mais sódio para o organismo deles. Mas o que fazer? Até motos e quadiciclos vêm substituindo os camelos as areias saarianas...

Vejo no noticiário econômico desta semana que o Brasil entrou no grupo que “ajuda a China a estimular o consumo de café”. Até posso ver um rosto simpático como aquele da bióloga brasileira que, ativista do Green Peace, foi presa na Rússia, dizendo com algum espanto:
- Por que eles têm que gostar de café, Santo Deus? Não consomem chá há milênios e estão bem?
Ah, minha doce ativista, porque na lógica do mercado eles representam uma colossal arena sem tradição de consumir café, mas com todas as condições para se transformar no maior consumidor global dos derivados da Rubiácea.
O consumo dos Estados Unidos é, em 2013, de 23,5 milhões de sacas de 60 quilos\ano. Já a China, de acordo com previsões tidas como otimistas, deve consumir 2,8 milhões de sacas em 2020.
Segundo a Organização Internacional do Café, em 2012 os chineses consumiram 1,1 milhão de sacas ou magras 25 gramas por habitante.
Os executivos da área cafeeira são otimistas e miram o exemplo do Japão que, com costumes relativamente parecidos em relação ao chá e alimentação sem gorduras (os chineses têm maior consumo de frituras e gordura animal), aderiram ao consumo do café e são hoje o quarto país em consumo do produto atrás apenas dos EUA, Brasil e Alemanha.
Para Bunco Wong, presidente da Associação Chinesa de Cafés Especiais (CSCA, na sigla em inglês) os jovens são a grande esperança nessa virada de consumo uma vez que são mais abertos aos costumes ocidentais. Nos grandes centros urbanos do país cresce o número de cafeterias sempre cheias de jovens seguidores do modismo ocidental do capitalismo-comunista.
Segundo Wong, 97% da população chinesa consomem chá e apenas 7% “têm experiência” com café, o que não se traduz em consumo diário. Já os que compram cafés especiais chegam a 3%.
Verdadeiras operações de guerra vêm sendo montadas pela CSCA para “ensinar” os chineses a apreciar um bom café. Entre as justificativas para essa interferência cultural e econômica está a de que o consumo de café deve gerar boas possibilidades de emprego para um contingente de quatro milhões de jovens que saem das universidades todos os anos.
Então. Economistas e engenheiros recém-formados vão virar balconistas de franquias da Starbucks?
As primeiras cafeterias foram abertas em Hong Kong no final da década de 1980 e o costume, devagar, migrou para o continente.
Os chineses, de acordo com Wong, gostam de café muito doce e misturado com muito leite. Muito pouco chinês esse perfil.
O jovem Bunco Wong esteve recentemente no Brasil e gostou do trabalho da Associação Brasileira da Indústria do café (Abic), sobretudo no que diz respeito ao Programa de Qualidade do café (PQC).
Entre os temas das conversações dois pontos ficaram no horizonte para brasileiros e chineses: organizar um instituto na China para processos de colheita, pós-colheita e classificação de grãos. Já os chineses, em contrapartida, têm interesse em desenvolver novas máquinas de café expresso e coloca-las no Brasil.
Assim funciona o mercado. Quem produz tem que buscar consumidores. Essa lógica impulsionou a navegação e os descobrimentos na Idade Média e assim tem sido.
Não se trata de um simples processo de distribuição, mas sim, de uma interferência sócio antropológica.
Se o cinema estadunidense influenciou diferentes sociedades mundo afora desde os anos 1930, nem de longe podemos comparar esse fenômeno com essas mudanças radicais em costumes alimentares como vem ocorrendo desde meados do século vinte.
Sim, porque não se trata de apenas oferecer um produto, montar lojas ou fazer promoção. Trata-se de verdadeira lavagem cerebral no sentido de tornar comuns práticas alimentares que ferem as tradições de nações e levam a mudanças em toda a cadeia, desde a produção no setor primário até o consumo pelas novas gerações.
Na matéria de 16 de janeiro de 2013, falei aqui neste blog sobre a força das cervejas em países como Portugal, Espanha e Argentina, derrubando o consumo do vinho. Da mesma forma o tabaco invade regiões do mundo onde a legislação não tem preocupação com a saúde da população. Ou vendem Coca Cola para os Tuaregues.
Nunca duvidei de que a livre iniciativa e a livre economia, com regras básicas e fiscalizadas pelo Estado, é que trazem crescimento, progresso e fartura para as nações.
Mas tudo tem um preço.

Fonte: Valor Econômico, Carine Ferreira, 26\11\13        

sábado, 23 de novembro de 2013

Astros mirins e sensualidade

Abro a página da UOL e vejo que a atriz Abigail Breslin fez ensaio sensual entre espumas e lençóis, aos dezessete anos. Breslin foi indicada para o Oscar em 2002 por seu papel como filha do personagem principal em Sinais atuando ao lado de Mel Gibson.
Mas a menina ficou mesmo conhecida como a irresistível personagem do filme Little Miss Sunshine, em 2006. Não resisti. Recorri a Wikipédia.
Abigail Kathleen Breslin nasceu em abril de 1996 em NYC, filha de pais que trabalham com Telecomunicações e TI. Tem dois irmãos que também são atores, mas nada consta deles sobre trabalhos diferenciados como os dela. Sobre a menina não se pode dizer que seja uma atriz diferenciada. É certo que ela apresentou um jeito muito espontâneo na sua personagem em Miss Sunshine. Talvez tenha sido mais convincente como a órfã em Sinais.  
O que me fez buscar mais notícias sobre a menina foi a história de querer mostrar seu corpo ou “ousar mais” para o público. Ela não é a primeira. Mas me intriga mesmo assim.
Há dias vi num telejornal a atriz Miley Cyrus, principal figura da série da Disney Hannah Montana num clipe no qual, nua, lambe sensualmente um martelo. E a notícia foi longe, mostrando o comportamento abusado na menina em outros shows.
Cyrus, nascida Destiny Hope Cyrus, sabe bem o que faz. É um jogo mercadológico. Quer ser vista como mulher. E mulher para instigar os desejos humanos. Masculinos ou femininos.
Vi o clipping no qual lambe o martelo. O roteiro do vídeo a mostra sentada e balançando numa bola de aço, dessas de demolição. Ela beija também a corrente que prende a bola. E derruba as paredes no refrão da música. É bonita e se reveza entre a nudez e calcinha e sutiã. Sempre usando coturno.
Nem sempre artistas mirins sabem lidar com a fama. Drew Barrymore foi um exemplo. Depois do sucesso de ET, o filme de Spielberg (1982) no qual faz a irmã do personagem principal ela viveu péssima fase envolvida com álcool e drogas. Teve muita sorte na recuperação e hoje é uma atriz respeitada em Hollywood, em comédias e dramas.
Outro nome mirim famoso é Macaulay Culkin, nascido Macaulay Carson Culkin em 1980. Depois do sucesso da sequência de “Esqueceram de mim”, o ator viu-se envolvido em problemas que começaram em casa. Seus pais disputaram, literalmente, a tapa, sua fortuna de 17 milhões, à época. Crescido e moço, Culkin não se revelou tão bonito quanto na infância. E menos talentoso.
Seu nome na mídia apareceu mais ligado a escândalos, como o suposto envolvimento sexual com Michael Jackson e sua prisão por porte de maconha e anfetaminas.
A trajetória de astros mirins nunca foi linear.
Para os atores, quando a cabeça é boa ou bem orientada, a escada é menos íngreme uma vez que eles podem ir mudando de papéis para personagens mais velhos. Assim um ator pode ir da infância até representar como avós e sábios anciões. Mas nem sempre é linear.
Para os astros mirins de muito sucesso, a adolescência e a entrada na maturidade podem se revelar uma armadilha. Sua graça infantil pode não se manter aos quinze anos. Eles podem estar gordos ou mesmo sem charme. Pode também ocorrer um hiato na adolescência e eles voltarem a ter charme aos vinte anos. Ou simplesmente podem não ter o talento e a espontaneidade da infância.
Esse risco pode também ocorrer no ocaso da carreira, quando eles devem passar a interpretar pais e avós de outros galãs. Mas essa é outra história.
Envolvimento com drogas parece estar na razão direta das estruturas familiares e de como tratar com o sucesso tão prematuro.
Já a necessidade de mostrar ao público que “agora sou sensual” parece mesmo uma necessidade de virar adulto, de sair daquele casulo da virgindade, cair no mundo. A questão é a dosagem disso.
Para os artistas da música esse caminho é ainda pior. Eles têm que mudar o repertório e a imagem. Nessa perspectiva está a mudança para um público que, acreditem, pode ser o mesmo de quando tinham seus oito anos e cantavam para outras crianças de também oito anos.
Essas mesmas crianças, quando chegam aos dezoito anos, gostam de sons melhor definidos do que aqueles pops do tipo Sandy & Júnior ou Hannah Montana. E os artistas têm que fazer a sua opção pela nova linha de sua música e pelo visual mais adulto. Em geral mais sensual.
Trata-se de um reposicionamento de produto que deve ser trabalhado ao longo da carreira. Na medida de seu amadurecimento o astro da música deve ir repaginando sua imagem e produtos de modo a tornar quase natural a sua mudança e a consolidação de “nova” carreira.

Miley Cyrus, com certeza, não lambeu aqueles ferros à toa, com tanta espontaneidade. Há muito marketing por trás desse gesto.