segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Cinema e Saúde: Tecnologias

Quando eu tinha entre oito e dez anos, na longínqua Araçatuba, um dos meus passeios favoritos de bicicleta era ir até a estação ferroviária da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, NOB. Gostava do que via.
A praça em frente à estação era calçada com paralelepípedo e sombreada por várias árvores de fícus. Aquele calçamento me lembrava São Paulo e eu gostava de curtir aquela micro paisagem transportando-me para a Capital, seus bondes e seu movimento metropolitano.
Mas para além dos paralelepípedos, gostava de procurar na plataforma de embarque\desembarque por uma preciosa e anunciadora mercadoria: as latas com os filmes que seriam exibidos nos cinemas da empresa exibidora Pedutti. Era com certo deleite que via, ali no chão da estação, os títulos dos filmes pregados naquelas latas redondas: East of Sumatra ou Flash Gordon on The Planet Mongo.
Corta para 2012.
Minha amiga Madrasta (o carinhoso apelido resulta da personagem que ela interpretou quando adolescente – também em Araçatuba – numa versão que dirigi de A Gata Borralheira) que é esportista adepta do pedestrianismo e faz exercícios regularmente pelas ruas da USP correndo em média doze quilômetros por dia, me mostrou um brinquedinho novo. Trata-se de um relógio de pulso que mede e registra diversos dados do corpo humano durante os exercícios: pressão sanguínea, batimentos cardíacos, quantos metros correu, qual a velocidade média, o comportamento da pressão etc.
Corta para 2013.
Leio no jornal sobre dois assuntos correlatos às minhas lembranças acima.
Primeiro sobre o cinema. Os rolos, que já não são mais utilizados e foram substituídos pelos discos digitais, ficarão mesmo nos museus e cinematecas. Isso porque os grandes estúdios e distribuidoras estão finalizando sistemas de transmissão de seus filmes, para os cinemas, via satélite.
No Brasil a Ancine, Agência Nacional de Cinema, estabeleceu o prazo de 2014 para que todos os cinemas substituam os projetores analógicos pelos digitais. O sistema digital, embora dispense as fitas em celuloide, ainda usa aparato físico em razão do uso dos DVDs e sua gravação.
Já o novo sistema, via satélite, dispensa tudo isso.
Com uma antena de 2,5 metros, softwares de segurança para impedir que os arquivos sejam copiados ou que os exibidores reproduzam os filmes em mais salas do que as contratadas, as empresas exibidoras podem receber os filmes, simultaneamente, para mais de 150 salas em 50 diferentes cidades do país.
A empresa SES Global, baseada em Betzdorf, Luxemburgo, já foi contratada por empresas brasileiras para fazer essa distribuição a ser consolidada de vez em 2014. Ou seja, latas redondas com filmes de celuloide, como aquelas da estação da NOB ou como as que pegaram fogo e cegaram o protagonista de Cinema Paradiso chegaram mesmo ao fim.
A novidade é uma tecnologia cercada de diferentes aspectos de segurança no mesmo padrão já utilizado por um consórcio das grandes empresas estadunidenses como Disney, Paramont, Universal, Lionsgate e Warner Bros, que leva o nome de Coalisão de Distribuição Digital de Cinema, DCDC.
Com custos variando entre 250 e 300 mil reais para a adaptação do equipamento que recebe o filme via satélite, as empresas distribuidoras consideram menos onerosa e mais segura essa forma do que o sistema digital hoje existente que demanda maiores cuidados e ainda pode ser vítima de pirataria.
De olho na maximização do uso de seus espaços, os exibidores já farejam possibilidades de exibição, ao vivo, de grandes eventos em suas salas como jogos da Copa do Mundo, grandes conferências mundiais, Olimpíadas e outros.
Estamos a poucos passos de transformar “É tudo verdade” (Festival Internacional de Documentários) em “É tudo ao vivo”. Imaginemos um cinema que mantenha um canal direto, via satélite, transmitindo horrores da guerra na Síria ou as barbáries de países do Chifre da África.
E sobre o brinquedinho da Madrasta?
Ah, sim.
Trata-se da tendência que vem se consolidando da chamada Wearables ou Tecnologia de vestir.
É como estão sendo chamados os computadores em formato de roupas e que podem medir e monitorar as atividades físicas do indivíduo e conectados a um smartphone ou tablete podendo inclusive checar a fertilidade das mulheres.
As líderes em pesquisas nesse campo são a Sansung, a Apple e a Google. As menores, mas nem tanto, respondem pelos nomes de Pebble, Fitbit, Misfit, Wearable, Withings, Life Comm e outras. Trata-se de um mercado com grandes possibilidades e que tem como foco as empresas de seguro saúde.

No Brasil a empresa Carenet está lançando o seu primeiro produto no gênero, o Biosensor. Importado de um fornecedor asiático o produto tem a promessa de nacionalização e deve custar entre 200 e 300 reais.
De acordo com a empresa de pesquisa ABI Research, a venda desses aparelhos de vestir podem chegar em 2013 a 53 milhões de unidades batendo 340 milhões em 2017. De acordo com as pesquisas, esse crescimento será alavancado pela entrada das grandes como a Samsung e Sony nesse tipo de negócio.
Para os entendidos no assunto, “O pulso será dominado pelos relógios inteligentes dos grandes fabricantes. A oportunidade está em outras partes do corpo”.
Nessa perspectiva, a Misfit lançou um monitor do tamanho de uma moeda de um dólar que pode ser usado como um ornamento ou pendurado em qualquer parte do vestuário do usuário.
É hora de nos rendermos às tecnologias. George Orwell não sabia das coisas. Pelo menos não de todas elas.
Mas uma constatação, de há muito está feita: não só as latas com filmes na estação do trem perderam o espaço no cinema. Os relojoeiros suíços, também de há muito, perderam para os japoneses no negócio de marcar as horas.
A abordagem para iniciar assuntos perguntando sobre a hora também já se foi há muito. Mas imaginemos como poderia ser em 2016: ele olha para ela que toma água de coco numa barraquinha do Parque Vila Lobos (pode ser no Central Park também...) e pergunta: como estão os seus batimentos?                

(Dados no Valor Econômico © 2000 – 2013)

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O tenebroso mundo do Marketing

O Banco Santander foi o campeão das reclamações pelo terceiro mês consecutivo (junho, julho e agosto). A maioria delas se refere à venda de “produtos financeiros casados” e às práticas consideradas abusivas como cobrança de taxas, juros altos e outros problemas correlatos.
Logo atrás do Santander, quem diria, está o Banco do Brasil. Que não se espere que as TVs e jornais falem muito mais do que isso sobre essas duas instituições. Tampouco vão procurar seus executivos para entrevista-los a respeito do problema. O mesmo se dá com as empresas de telefonia celular, cujas Bandas Largas nos oferecem uma margem estreita de possibilidades de navegação.
 Os bancos citados, como as empresas de telefonia móvel são grandes patrocinadores de programas de peso nas TVs e anúncios nos jornais. Por mais tímida que seja a cobertura desse ranking tenebroso– ainda assim, quando se veem “acuados” os executivos que representam essas joias do setor privado costumam dizer um amontoado de anacolutos que se traduzem em cinismo puro.
Assim como as excelências legislativas de Brasília não ouvem as ruas, as empresas privadas flagradas no mau desempenho de sua missão, tergiversam, malufam e seguem tranquilas.
Sou meio obcecado com essa questão de dar satisfação ao cliente. Ah, anos 80! Essa sim foi uma era da inocência em termos do Marketing de Serviços. Foi uma época em que nomes como o de Karl Albrecht e Stan Rapp faziam sucesso tratando dessas questões em seus livros, hoje uma leitura inocente.
Muito se avançou nas diferentes gerações do marketing. Francisco Madia, aqui no Brasil, escreveu sobre o The Sensitive Chamagaroo ou A 11ª Geração do Marketing e analisou consumidor e mercado desde os tempos da caderneta no balcão do armazém até uma “Geração Síntese” onde canais de comunicação e distribuição se fragmentam e o peso de aspectos como simpatia, apreço, admiração e fidelização passa a ser muito maior na formação do valor de produtos e serviços.
Quando começou o movimento virtual das redes sociais, muito se escreveu sobre o assunto alertando as empresas para o efeito cascata e viral de seus “malfeitos”. Pois nada do que foi previsto ocorreu. Empresas e personalidades públicas pegas com seus “malfeitos”, seguem incólumes.
Desde os anos 80 tenho por hábito tentar me comunicar com empresas, jornalistas, articulistas, autores, professores, políticos e governos. Sempre busquei reclamar, elogiar (é o mais importante) e fazer sugestões. Não é uma tarefa grata. O percentual de respostas às minhas observações sempre foi baixíssimo.
Claro, fiquei esperançoso quando a Internet se instalou de vez. Mais ainda quando o conceito de CRM (Custumer Relationship Management) virou notícia com programas específicos para o atendimento às expectativas dos clientes\consumidores. Em vão. No Brasil, os SAC (Serviço de Atendimento ao Cliente) respondem muito mal àqueles que os procuram.
Só nos últimos sessenta dias,fiz contato com diferentes empresas em razão de seus produtos ou serviços. Entre os contatados, sempre via Internet,no“Fale Conosco”, estão duas empresas de cosméticos, uma empresa de transportes aéreos, uma revista semanal e um hospital privado. NENHUM deles ao menos respondeu um formal “Obrigado por sua mensagem, faremos contato em breve”.
Devo dizer que os temas, sempre colocados de forma sucinta, eram de seu absoluto interesse. Nada, mesmo assim.
Hoje li uma notícia que me arrepiou. O historiador britânico Niall Ferguson lançou neste ano um livro sob o título “The Great Degeneration” (A Grande Degeneração), no qual ele vê uma decadência institucional no Ocidente. Na sua perspectiva os EUA caminham rapidamente para o “Estado Estacionário” que, na visão de Adam Smith, se traduz em um país que era rico, mas que parou de crescer, onde uma elite rica explora leis e regulamentos em detrimento de empresas e indivíduos, e onde, também, o agravamento de desigualdades pode levar à convulsão social.
O que alivia esse quadro mais próximo das aventuras de Ivan o Terrível, é que o consultor Harold Sirkin, do BCG (Boston Consulting Group) traça uma perspectiva diferente. Ele diz que a “consciência chinesa” vem elevando os salários naquele país comunista resultando num custo maior de seus produtos. Com isso os EUA vêm retomando algumas produções que se lhes escaparam entre os anos 90 e 2000 por conta da globalização. E retomando o crescimento. E o crescimento do mais desenvolvido país ocidental há de ser bom para todos. Desde que saibamos negociar.
É um cenário melhor na economia. Mas o espírito das empresas em relação aos seus clientes\consumidores parece estar mais alinhado com a visão pessimista do historiador inglês.