quinta-feira, 8 de março de 2012

Entretenimentos Mortais

Lá nos anos 1980, operadores de turismo e hoteleiros reclamavam sobre a possibilidade da aprovação da “Lei de Cabotagem”, que permitiria aos navios de bandeira estrangeira operar na costa brasileira. A argumentação era de que eles roubariam a demanda do mercado doméstico. Não era verdade. A lei foi aprovada, os navios chegaram, os portos não foram devidamente adaptados com estações de embarque/desembarque e a demanda, sobretudo da classe média, cresceu espantosamente para esses mini cruzeiros de quatro pernoites em média e paradas em pontos turísticos que seriam mais acessíveis por terra e ar. Além disso, com o volume de naves e turistas, a carga de muitos desses locais ficou acima da média comprometendo a qualidade dos serviços e, sobretudo, o meio ambiente. Mas vale a oportunidade de embarcar pelo menos uma vez na vida parcelando em dez vezes o pagamento.
A questão é a situação operacional dessas naves gigantes que parece nem sempre receber os cuidados necessários. Com gigantescas cozinhas e áreas de estocagem e sistemas de ar condicionado igualmente gigantes, essas cidades flutuantes compõem ambientes de grande oportunidade de hospedagem para os mais diferentes vírus e bactérias. Um território flutuante de “Oitavos Passageiros”. É o que se pode depreender das notícias sobre doenças intestinais que se manifestam em grupos de passageiros, registro de óbitos e surtos de gripes mortais nem sempre bem definidas. Pior, uma dessas máquinas gigantes da famosa Frota C, parou de funcionar em alto mar, numa conhecida zona de pirataria próxima à Costa Oriental da África e precisou ser rebocada. Dá para imaginar a aflição dos turistas embarcados sem luz, sem ar condicionado e com o risco dos alimentos sem refrigeração. E os banheiros?
O naufrágio do Costa Concórdia na costa italiana mostrou o amadorismo que permeia esses serviços. E na data em que escrevo, 08/03/2012, um navio que seguia do Chile rumo ao Reino Unido, está ancorado em Santos sem permissão para desembarque até que as autoridades da saúde possam descobrir qual a doença que acometeu vários de seus passageiros. Há poucas semanas uma tripulante brasileira de embarcação, também italiana, morreu de uma gripe inexplicável. Talvez só os dutos de ar condicionado, seus filtros e polias possam explicar isso.
Já o Hopi Hari, um empreendimento que surgiu na esteira de tantos outros projetos de parques temáticos no Brasil e que não foram bem sucedidos, protagonizou o mais trágico e vexatório noticiário sobre maus serviços. As investigações que começaram após a morte de uma adolescente no principal brinquedo do parque mostraram uma fragilidade abissal na operação daquele empreendimento de entretenimento e lazer. Um empreendimento que trocou de mãos várias vezes e acumula grandes prejuízos, aquele parque teve exposta sua incompetência. Acidentes acontecem mesmo nos grandes e famosos parques temáticos. Mas o treinamento e a segurança são itens com os quais não se trabalha amadoristicamente. Visitem os subterrâneos da Disney, por favor.
A lógica do mercado em turismo começou a ser praticada há pouco tempo no Brasil: preços acessíveis e grandes demandas. Por muito tempo, aviões e hotéis eram coisa para poucos. Mas essa lógica exige uma gestão pública mais eficiente, tanto na infraestrutura como na fiscalização e no cumprimento da lei. E isso não está acontecendo, colocando em risco a população que tem acesso a esses serviços.
Aposto que a demanda para a Copa do Mundo não será 50% daquilo que os otimistas esperam, mas mesmo assim, podemos imaginar o porvir no noticiário policial durante aqueles eventos.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Mulheres maduras

Entre 2008 e 2009, devorei boa parte da obra balzaquiana.
Honoré de Balzac não era um empreendedor e nas suas tentativas de ter negócios com gráficas e jornais, acabou um eterno inadimplente que contou com a ajuda de amigos e mulheres. Sua vida afetiva, cujas passagens aparecem em alguns dos personagens de seus livros, foi de muitas decepções. Mas, poucos talentos da palavra escrita trataram das mulheres com a sabedoria balzaquiana.
Falo de Balzac por que chamou-me a atenção como ele descreveu mulheres com mais de quarenta anos, cheias de vigor e disposição, no início do século dezenove. Claro, não eram mulheres do povo, da lida dura dos campos ou dos serviços nos burgos. Eram da elite francesa. Mas mesmo assim, estariam envelhecidas para os padrões da época. Não para Balzac. Não para a sua “Comédia Humana”. Não para as mulheres reais do mundo de hoje.
Amigas de minha geração mandaram dia desses, via Web, um texto sobre as pessoas com mais de meio século, sexagenárias. O texto traça um paralelo entre os adolescentes de meados do século vinte e os sexagenários do século vinte e um. Nos anos 1950, os adolescentes, até então sem espaço para o seu período de vida, ganharam foco com a valorização de sua idade, seus hábitos, seus modos e seu pensar. Eram os teens, ou os adolescentes. A situação dos homens e das mulheres de sessenta anos na segunda década do século vinte é parecida. Eles e elas têm força, idéias, hábitos, seus modos e seu pensar. Precisam de espaço e reconhecimento, e não de recolhimento. Não são idosos como prevê a lei ou as regras morais. São os sexalecentes.
Quisera eu ter frações mínimas do talento de Balzac para falar da energia, do frescor, da beleza, da experiência e da disposição da mulher com mais de meio século em tempos d agora.
Eu as encontro no trabalho, no Metrô, entre as amigas e na família. Tenho uma tia com quase setenta que esbanja seu charme até hoje seja nas festas de família ou nos países por onde, merecidamente, passeia com o marido.
O mercado demorou um pouco para reagir a essa tendência, a da longevidade e do vigor. Não faz muito tempo que as instituições começaram a valorizar gordinhas e senhoras com mais de cinqüenta anos. Vivemos mais, eis a realidade. Somos mais produtivos no mais amplo sentido. As mulheres casam-se mais tarde e vão procriar perto ou depois dos quarenta. Ainda há muito o que se produzir para esses segmentos no Brasil.
Claro, toda a conjuntura mercadológica existente acaba por produzir uma baixa acuidade mental/conceitual sobre beleza e sensualidade. O foco é sempre na juventude. Mas não é de hoje que as mulheres maduras têm seu espaço melhor definido. Elas vêm ganhando espaço popular nas novelas e são personagens fortes nos romances. Firmam-se na vida pública e na direção de grandes empresas. E ainda causam frisson no imaginário de maduros e dos jovens. São mulheres maturadas com qualidade.
Como os vinhos, podem ter aromas instigantes de cassis, com um leve toque de carvalho tostado; elegantes, com taninos maduros e macios, e um final picante.
Não cito nomes de amigas, colegas e familiares. Poderia pecar por omissão. Mas homenageio a todas com alguns nomes que representam o melhor das mulheres maduras: Diane Keaton, Merryl Streep, Helen Mirren, Ségolène Royal, Cassia Kiss, Beatriz Segall, Carmen Maura, e muitas, muitas outras...