segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A mídia no papel

Está sendo relançada hoje nos EUA, a revista “New Republic”, comprada pelo jovem Chris Hughes, 29 anos, em 2012 quando estava já nos seus estertores. Trata-se de um fato emblemático. A revista foi fundada em 1914 por Herbert Croly e Walter Lippmann e tinha uma linha editorial em defesa da classe média e do liberalismo do governo em suas intervenções dentro e fora de seu país. Em 1917 apoiou o movimento bolchevique e a derrubada da família imperial russa. Mas logo se deram conta da carnificina perpetrada por Stalin e deixaram de falar bem daquele novo regime. Na Guerra fria apoiou “a América”, mas foi combativa contra o Macarthismo, nos anos 1950. Nos anos 60 foi contra a guerra do Vietnã e nas tentativas de derrubada de Bill Clinton, esteve na defesa do então presidente. É uma revista nitidamente democrata. E nunca escondeu isso. Chris Hughes foi um dos fundadores do Facebook e deixou o sócio Mark Zuckerberg, com U$600 milhões no bolso, para dirigir a campanha digital de Barack Obama em sua primeira eleição. A foto dele mostra um menino quase franzino, ao que parece cheio de crenças e intenções. Bem sucedido na campanha de Obama (a primeira no mundo a usar de forma tão agressiva as redes sociais, o Twitter em especial) Hughes tem credibilidade para tentar reerguer esse veículo que foi semanal, passou a quinzenal e estava ultimamente só na Web. Ele a recoloca no mercado em papel e em múltiplas plataformas. A “new” New Republic tem um modelo de assinatura de U$34,97 por ano e que permite o acesso a todo o conteúdo impresso, versão para o celular e mais vinte assuntos da revista, incluindo o acesso ao áudio, uma inovação naquele veículo. Em suas entrevistas o jovem Hughes diz que “muita gente acredita que esse tipo de veículo está fora de lugar na América, que se é periódico é para ser popular e que primeiro tem que ter (ser) de entretenimento ou que, se é muito sério, precisa ter conteúdos bem separados e seletivos.” O jovem empreendedor diz também que acredita que “nossa hiper informação ainda está vibrando, mas não totalmente satisfatória.” “Nós acreditamos que ainda precisamos de um jornalismo que se preocupa em produzir e demandar longa atenção do leitor.” Por “longa atenção do leitor” ele quer dizer “pessoas que se interessam por notícias consistentes e análises críticas”. Isso parece resumir toda a questão desse seu investimento tido como corajoso, num momento em que grandes veículos vêm sendo fechados e quando o jornalismo sério busca caminhos para ganhar interesse de um público que lê pouco, quer ler textos concisos e cujo interesse, lá como cá, pelos grandes temas, parece em segundo plano. Nada ilustra melhor isso do que a postura da revista que ele acaba de comprar: em 2007, passando de semanal para quinzenal, os então editores optaram por uma diagramação que, diziam, era para o “leitor amigo”: grandes fotos e pequenos textos. O aspecto mais importante nessa questão da mídia impressa versus a mídia digital não é, na verdade, o papel ou a periodicidade. Trata-se do interesse pela leitura de algo que efetivamente dê ao leitor uma visão crítica sobre os fatos para que ele possa formar sua opinião. E isso não acontece com notas curtas de 140 GC. Não mesmo.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O turismo que frustra

Angela Klinke é uma jornalista jovem com trajetória de trabalho que lhe garantiu experiência e a creditou para assinar uma coluna quinzenal de “Tendências” no caderno EU& do jornal Valor Econômico. Em 2011 escreveu seu primeiro livro, “Luxo e Crime” (Leya, 2012) que trata de temas como sonegação, falsificação e outros e que teve como base o “Caso Daslu”. Foi uma das idealizadoras da coluna Blue Ship do jornal Valor Econômico. Klinke não é uma jornalista de gabinete. Começou na Jovem Pan como “repórter do ar”, falando do trânsito. Passou pela” “IstoÉ”, “Play Boy” e “Caras” e cobriu vários eventos no exterior. Tem mestrado na área de “marcas de luxo”. Falo de Angela Klinke porque na edição do dia 16 de janeiro de 2013, em sua coluna no jornal Valor Econômico ela escreveu matéria sob o título “A constante frustração de ser turista no Brasil”. A jornalista relata uma experiência vivida na cidade de Salvador, Bahia, onde não funciona o Elevador Lacerda (duas cabines em reforma em plena temporada e 45 minutos na fila para entrar no elevador), não tem vinho branco ou bacalhau no mais luxuoso hotel da cidade no sítio histórico do Pelourinho e uma cidade na qual os próprios garçons recomendam cuidados com os taxistas que “são todos malandros”. Para Klinke isso se repete de Norte ao Sul do Brasil. “Você não vai ser bem informado, não vai ser bem atendido e não vai pagar barato. Para se divertir, vai ter que não pensar nisso.” Entre os problemas que o turista enfrenta no Brasil ela aponta os preços: 7 reais por uma cerveja long neck e 14 reais por um pacote de 200 gramas de batata chip no frigobar do hotel. E para ter acesso às informações históricas e culturais? Esqueça. Guias profissionais não aparecem e no seu lugar meninos mal informados dizem muita bobagem sobre locais e personagens históricos com prejuízo para os estrangeiros que nem dessa suposta informação podem desfrutar. A jornalista aponta ainda a criação dos resorts, há décadas, como uma alternativa para um turismo de melhor nível e que hoje passam também por uma fase difícil de muitos cortes nos serviços e, como resultado, na qualidade. Profissional que entende de luxo e, portanto, de qualidade, Angela Klinke toca num aspecto que muitos profissionais do turismo, agentes públicos e simpatizantes do lulismo, teimam em não enxergar: a má qualidade de nossos serviços. Não se trata de “falta de mão-de-obra treinada”, velho discurso que domina os congressos e eventos da área desde os anos 1980 e que conheço bem dos meus tempos de Senac, em São Paulo e na presidência da Associação Brasileira dos Dirigentes das Escolas de Turismo e Hotelaria (ABDETH). Nada disso. Já registrei aqui as falhas primárias dos lócus turísticos da cidade de São Paulo, por exemplo. Ações ordenadas de limpeza e conservação de praças, são vitais para uma melhor impressão ao visitante. Cansei de vivenciar problemas no entorno de novos centros de convenções em diferentes capitais do país. Pior, problemas também dentro daqueles próprios, com gente ineficiente na operação de equipamentos ou ar condicionado que não funcionava. Empregados mal uniformizados, lixo acumulado nas cidades, praias sem banheiro (por que as praias não têm banheiros, Santo Deus?), comidas suspeitas, garçons e taxistas “espertos”. Os arautos do populismo\nacionalismo dirão que “essa é a cara do Brasil”, que “não somos cheios de manias de limpeza como estadunidenses ou rígidos nos horários como os suíços”. Uma estupidez, com certeza. Tudo o que o consumidor quer é a entrega daquilo pelo qual ele pagou. E não há quem queira pagar por maus serviços, ruas sujas ou larápios institucionalizados. O Brasil não pode ser comparado a desconhecidas ilhas caribenhas onde o risco faz parte do passeio na perspectiva do custo\benefício. Não é assim. E não é, primeiro porque aqui os serviços são caros e segundo porque o conceito do país, mundialmente, vem mudando. E começamos a ser vistos como um país mais comprometido. Mas vêm aí os “eventos do século”: a Copa 2014 e as Olimpíadas 2016. Pessoalmente não me assusto com esses acontecimentos. Acho que a demanda, para a Copa sobretudo, será muito baixa, o que pode atenuar um pouco questões como transporte, trânsito, hospedagem etc. Mas os maus serviços serão os mesmos. Nossa hospitalidade está longe daquela imagem de “brasileiro cordial”, muito longe. Basta que tenhamos um olhar menos complacente com nossos aeroportos, seus serviços e seus preços, os das passagens incluídos. Basta que olhemos sem complacência para as nossas cidades grandes que não têm banheiros públicos e cujas placas de sinalização muito pouco informam. Para sintetizar tudo: o Metrô de São Paulo, o melhor do país, carece de boa sinalização e tem vários pontos cegos, sem câmeras de segurança. Parafraseando a jornalista Kllinke: “Não são necessários 90 minutos de futebol no futuro. O pior já é hoje.”

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Reflexões sobre a globalidade

Na década de 1990 quando os sucos Del Valle chegaram ao Brasil, escolheram a TAM como um dos canais para divulgar seus produtos via formadores de opinião. Os voos da TAM, aliás, eram cenários de bons brindes nessa perspectiva, a da promoção de novos produtos. Os sucos tinham um sabor diferenciado, eram densos e agradavam ao consumidor. Em 2013, depois de comprada pela Coca Cola em 2006, a Del Valle é um triste arremedo do que foi nos anos 1990. Os sucos ficaram ralos, aguados e fortemente açucarados, como os demais produtos produzidos pela Coca Cola e em nada lembram aquele sabor tão diferenciado. Não são poucos os romances e filmes de ficção científica que tratam de tempos futuros nos quais a humanidade será dominada por grandes companhias multinacionais ou interplanetárias que abusarão de seus consumidores que, compulsoriamente, terão que se curvar aos seus produtos e serviços. Rollerball, um filme de 1975 dirigido por Norman Jewison e estrelado pelo então galã James Caan, é ambientado em 2018 (estamos perto) e mostra o mundo dominado pelas grandes corporações que substituíram o Estado. O tema é um tipo de jogo de alta letalidade que mistura hockey sobre patins com bolas de aço, motos e outros instrumentos letais numa arena oval e inclinada. A ideia era, com esse esporte, substituir as guerras reais e dar vazão aos ódios da sociedade. No filme Alien, o oitavo passageiro, de 1979, o representante de uma grande corporação que financia as viagens siderais tenta a todo custo manter vivo o monstro que se instalou na nave para leva-lo à empresa, ainda que isso vá custar a vida dos tripulantes. As grandes corporações têm em suas mãos boa parte dos serviços essenciais como os transportes, as telecomunicações, energia elétrica e alimentação. E pouco se lhes importam os processos e denúncias na imprensa e nas redes sociais. As grandes corporações tratam de mudar os hábitos de consumo das sociedades mundo afora. É com tristeza que vemos argentinos, portugueses e espanhóis consumindo cerveja aos montes e deixando de lado a tradição do bom vinho, muito menos nocivo e de menor consumo em razão do menor volume e maior preço. Mas lá está a Inbev comprando as cervejarias, destruindo vinícolas e invadindo as tradições. No começo dos anos 1990 fiquei escandalizado ao saber que a Coca Coca invadia a China de forma brutal tratando de banir daquela sociedade o costume de beber o chá. Coca Coca é muito melhor, ensinavam os demonstradores à porta das fábricas. Do mesmo jeito, com caminhões abertos e apresentações teatrais, a Coca Cola correu a Mama África nos anos 1970\80 divulgando o seu xarope escuro. Mas nada foi mais assustador do que saber que eles, da Coca Cola, distribuíam geradores e geladeiras para os Tuaregues consumirem o refrigerante em seus acampamentos, desprezando o chá quente, um hábito, como na China, milenar naqueles desertos ao Norte do Continente Africano. Nessa segunda semana de janeiro de 2013 fico sabendo que os Pub londrinos estão virando supermercado express. Sim, as cadeias de supermercados compram os Pub já sacrificados pela crise europeia e aproveitando a licença que as casas têm para a venda de bebidas, agregam outros produtos e vão tomando conta dessa tradição inglesa. Pub vem de public, ou seja, um local público onde TODOS podem frequentar, diferente dos tradicionais clubes masculinos ingleses onde só entram os associados e seus convidados. É uma transformação parecida com aquela que as Lojas Americanas fizeram no Brasil com a rede de locadora Blockbuster. As multinacionais de cervejas, a Inbev a pior delas, ao tempo em que sufocam outras marcas e difundem o seu produto associado ao esporte (os cigarros fizeram essa estupidez também até os anos 1980), geram também um movimento “revolucionário” de cervejas artesanais que eclode em todo o mundo. Esse movimento pode ser a redenção dos Pubs e cervejarias. Claro, podemos falar também da produção de medicamentos e da compra de todos os serviços de saúde por grandes multinacionais do ramo. Mas isso seria muito trágico logo nas primeiras semanas no ano. Agora, só a título de warm up: quando tivermos apenas duas operadoras de planos de saúde no país e a sua entender que “não procede o diagnóstico” que seu médico lhe fez para extrair um tumor altamente suspeito num órgão vital, a quem você vai recorrer? Será que dá tempo de chegar ao STF?