terça-feira, 4 de janeiro de 2011

As vestes obrigatórias

O poderoso banco suíço UBS tem sido o centro dos comentários de muitos executivos mundo afora, não pelo seu comportamento na grande crise de 2008 mas sim, pelo lançamento de seu novo “código de vestimenta” no final de 2010. Tem quarenta e três páginas o “Código de Vestimenta do Banco UBS” (Appearance Handbook Styleite). No texto as recomendações são muitas: usar sempre lingerie da cor da pele; as roupas de baixo não devem ser visíveis de forma alguma; não usar unhas muito coloridas, em especial as postiças; cortes de cabelo e penteados e tipos de sapatos também são recomendados ou seja, da cabeça aos pés. As mulheres não devem usar jóias muito brilhantes ou calças que sejam agarradas no derrièr e os homens devem usar calças que combinem com o seu paletó de dois ou mais botões, próprios para o ambiente de trabalho. Consultores de aparência nas principais capitais do mundo concordam, em parte, com as regras de vestimenta da organização suíça. Uma profissional de imagem corporativa diz que os erros mais comuns são “as pessoas despenteadas e usando roupas mal ajustadas. Fica uma aparência desmazelada, como se você não estivesse em você mesmo” Outro consultor diz que “se os bancos gastam dinheiro com tapetes felpudos e vasos de flores, não vão querer pessoas circulando de jeans”. Comentários publicados no Vancouver Sun por exemplo, dão conta de que a maioria dos profissionais da moda e do mundo executivo concorda com o fato de que devem existir regras para a indumentária dos bancários e assemelhados, muito embora o UBS possa ter exagerado nas cores, sobretudo quando trata das roupas de baixo da cor da pele.
A experiência de muitas empresas bem mais próximas de nossa realidade mostra que nem sempre os profissionais entendem recados com alguma sutileza. Numa empresa onde trabalhei, por exemplo, convencionou-se que às sextas feiras poderíamos usar um traje mais casual e isso incluía o uso do jeans. Todavia não falávamos em camiseta de gola careca ou tênis. E tinha gente que lá aparecia com aquela camiseta e um tênis já combalido. Eu, pessoalmente, sempre trouxe um blazer no carro. Nunca se sabe o que pode ocorrer. Também já passei pelo desconforto de ter que alertar uma colega de trabalho, minha subordinada, sobre a inconveniência de seus trajes para visitar novos clientes. Desconfortável sim, mas necessário.
Na hotelaria esse tipo de rigor não causa espanto. Os brincos devem ser sempre discretos, os cabelos, sempre que possível, presos ou semi-presos e as roupas discretas: saias não mais do que quatro dedos acima dos joelhos e os homens, preferencialmente, sem modelos de barba muito exóticos. As unhas das recepcionistas, por exemplo, devem ser preferencialmente esmaltadas em cores discretas, evitando-se aquele vermelho cádmio.
Com certeza, os atalaias da esquerda obscurantista dirão que o capital quer moldar as pessoas in extremis tirando-lhes até a individualidade no modo de vestir-se. Pois estão errados. A vestimenta é parte da linguagem do corpo, fala daquele personagem que apenas vemos de longe e que, compõe um cenário, no caso, o banco. Em termos de linguagem, Deyan Sudjic, diretor do Design Museum de Londres e autor do livro A Linguagem das Coisas (Intrínseca, 2010) que acabo de ler com entusiasmo, diz
“Não é coincidência que o preto seja a cor das armas: o símbolo do design sem o fator venda. O preto é uma não cor, usada para instrumentos científicos que contam mais com a precisão do que com a moda para atrair clientes. Não ter cor significa que se está dando a aspirantes a consumidor a honra de levá-los a sério a ponto de não tentar iludi-los com falsos brilhos.”
É de linguagem que a empresa fala quando pede (exige) o uso de roupas discretas pelos seus empregados. No capítulo sobre moda, no mesmo livro, Sudjic comenta que quando Giorgio Armani foi contratado a redesenhar os uniformes dos Carabineri da Itália (não é redundante), soou, no primeiro momento, como um desvio frívolo, mas obviamente sempre se esperou que os uniformes militares fizessem seus usuários se sentirem melhor em relação a si mesmos.
Enfim, quem já não viu, no final de fevereiro, aquela funcionária que volta de férias com uma blusa branca de generoso decote contrastando com sua pele recentemente bronzeada? Quem já não viu aquela moiçola rechuncha que faz questão de usar uma saia curta e apertada que deixa a mostra seus pneus e metade de suas coxas digamos, reforçadas demais? Não, nem sempre as pessoas têm bom senso. E essa é uma boa razão para a elaboração de manuais para orientar empregados a se vestirem.
Freud, em A interpretação dos Sonhos, diz Sudjic, sugere que, para os militares que andam uniformizados, sonhar que se apresentam em público à paisana é um sonho de ansiedade do mesmo tipo que é para as demais pessoas, o da nudez pública. Diz o diretor do Design Museum de Londres:
“Mas o limite entre o que chamamos moda e o que chamamos uniforme – aparentemente entre o frívolo e o sério, o frágil e o durável, o inventado e o autêntico – não é bem claro.”
Nas ruas de Manhattan, de Docklands ou nas imediações das avenidas Berrini ou Paulista é possível saber quem trabalha no mercado financeiro, bancos de investimento e outros serviços que exigem sobriedade.
Isso ocorre porque, ao mesmo tempo em que tenta tornar seus usuários invisíveis, essa “camuflagem padronizada” das empresas gera também um sinal de extrema visibilidade, pretendendo identificá-los, como os uniformes, para o seu próprio lado do combate.

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