Em
janeiro deste ano escrevi neste blog matéria sob o título Reflexões sobre a globalidade
na qual abordei a questão da inserção forçada de novos costumes nas diferentes
sociedades. Falei então da invasão da Coca Cola na China e na África, onde
interferiu na milenar tradição do consumo do chá. No Norte africano os
Tuaregues foram assediados até com brindes como geradores portáteis e
geladeiras para “tomarem gosto” pelo refrigerante negro. Dizem que o chá quente
tem efeito na resistência desses povos nômades ao calor do deserto. Já a Coca
Cola manda mais sódio para o organismo deles. Mas o que fazer? Até motos e quadiciclos
vêm substituindo os camelos as areias saarianas...
Vejo
no noticiário econômico desta semana que o Brasil entrou no grupo que “ajuda a
China a estimular o consumo de café”. Até posso ver um rosto simpático como
aquele da bióloga brasileira que, ativista do Green Peace, foi presa na Rússia,
dizendo com algum espanto:
-
Por que eles têm que gostar de café, Santo Deus? Não consomem chá há milênios e
estão bem?
Ah,
minha doce ativista, porque na lógica do mercado eles representam uma colossal
arena sem tradição de consumir café, mas com todas as condições para se
transformar no maior consumidor global dos derivados da Rubiácea.
O
consumo dos Estados Unidos é, em 2013, de 23,5 milhões de sacas de 60
quilos\ano. Já a China, de acordo com previsões tidas como otimistas, deve
consumir 2,8 milhões de sacas em 2020.
Segundo
a Organização Internacional do Café, em 2012 os chineses consumiram 1,1 milhão
de sacas ou magras 25 gramas por habitante.
Os
executivos da área cafeeira são otimistas e miram o exemplo do Japão que, com
costumes relativamente parecidos em relação ao chá e alimentação sem gorduras
(os chineses têm maior consumo de frituras e gordura animal), aderiram ao
consumo do café e são hoje o quarto país em consumo do produto atrás apenas dos
EUA, Brasil e Alemanha.
Para
Bunco Wong, presidente da Associação Chinesa de Cafés Especiais (CSCA, na sigla
em inglês) os jovens são a grande esperança nessa virada de consumo uma vez que
são mais abertos aos costumes ocidentais. Nos grandes centros urbanos do país
cresce o número de cafeterias sempre cheias de jovens seguidores do modismo
ocidental do capitalismo-comunista.
Segundo
Wong, 97% da população chinesa consomem chá e apenas 7% “têm experiência” com
café, o que não se traduz em consumo diário. Já os que compram cafés especiais
chegam a 3%.
Verdadeiras
operações de guerra vêm sendo montadas pela CSCA para “ensinar” os chineses a
apreciar um bom café. Entre as justificativas para essa interferência cultural
e econômica está a de que o consumo de café deve gerar boas possibilidades de
emprego para um contingente de quatro milhões de jovens que saem das
universidades todos os anos.
Então.
Economistas e engenheiros recém-formados vão virar balconistas de franquias da
Starbucks?
As
primeiras cafeterias foram abertas em Hong Kong no final da década de 1980 e o
costume, devagar, migrou para o continente.
Os
chineses, de acordo com Wong, gostam de café muito doce e misturado com muito
leite. Muito pouco chinês esse perfil.
O
jovem Bunco Wong esteve recentemente no Brasil e gostou do trabalho da
Associação Brasileira da Indústria do café (Abic), sobretudo no que diz
respeito ao Programa de Qualidade do café (PQC).
Entre
os temas das conversações dois pontos ficaram no horizonte para brasileiros e
chineses: organizar um instituto na China para processos de colheita,
pós-colheita e classificação de grãos. Já os chineses, em contrapartida, têm
interesse em desenvolver novas máquinas de café expresso e coloca-las no
Brasil.
Assim
funciona o mercado. Quem produz tem que buscar consumidores. Essa lógica impulsionou
a navegação e os descobrimentos na Idade Média e assim tem sido.
Não
se trata de um simples processo de distribuição, mas sim, de uma interferência
sócio antropológica.
Se
o cinema estadunidense influenciou diferentes sociedades mundo afora desde os
anos 1930, nem de longe podemos comparar esse fenômeno com essas mudanças
radicais em costumes alimentares como vem ocorrendo desde meados do século
vinte.
Sim,
porque não se trata de apenas oferecer um produto, montar lojas ou fazer
promoção. Trata-se de verdadeira lavagem cerebral no sentido de tornar comuns
práticas alimentares que ferem as tradições de nações e levam a mudanças em
toda a cadeia, desde a produção no setor primário até o consumo pelas novas
gerações.
Na
matéria de 16 de janeiro de 2013, falei aqui neste blog sobre a força das
cervejas em países como Portugal, Espanha e Argentina, derrubando o consumo do
vinho. Da mesma forma o tabaco invade regiões do mundo onde a legislação não
tem preocupação com a saúde da população. Ou vendem Coca Cola para os
Tuaregues.
Nunca
duvidei de que a livre iniciativa e a livre economia, com regras básicas e
fiscalizadas pelo Estado, é que trazem crescimento, progresso e fartura para as
nações.
Mas
tudo tem um preço.
Fonte:
Valor Econômico, Carine Ferreira, 26\11\13
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