quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Dinheiro em novas mãos

Minha primeira visita a Paris foi nos anos 80.
Mesmo fascinado com o fato de ver de perto aqueles lugares mostrados em“A última vez que vi Paris” ou das cenas noir de Simone Signoret e Jean Paul Belmondo, pude sentir, à época, a dificuldade de me fazer entender para uma gente que não gosta (gostava?) de falar o inglês. De fato, poucas eram as lojas ou restaurantes onde facilmente alguém se propunha a atendê-lo (e entendê-lo) no idioma do Bardo. Nos anos 90 isso mudou um pouco na perspectiva da Comunidade Européia. Depois de 2000, com o uso da moeda única, os franceses começaram a entender que era preciso se comunicar e tratar bem o turista. Nessa primeira década do novo século, por exemplo, a comunicação foi mais fácil na Cidade Luz, constatei. Afinal, Paris é a cidade da Europa que mais recebe turistas.
No final dos anos 80 a demanda de japoneses para os EUA era grande e fazia falta na imigração, agentes que dominassem minimamente aquele idioma. Quem passa pela imigração nas viagens internacionais sabe que às vezes pode encontrar um agente mais zeloso em sua função, cheio de perguntas e querendo respostas. Nem sempre o inglês do japonês é de fácil compreensão “macarrônica”, como o dos latinos, por exemplo. Os coreanos também eram uma preocupação dos agentes da imigração do Tio Sam.
E a França, por que não falava o inglês? Uma questão cultural, sabemos. Primeiro por suas diferenças históricas com a Inglaterra. Depois por uma resistência atávica ao “imperialismo cultural yankee”. Levou algum tempo para que os compatriotas de De Gaulle e Sarkozy percebessem que o francês já não era o idioma da comunicação internacional. Economia, sociologia e xenofobias à parte, é mesmo um ciclo histórico e que pode caminhar para o mandarim nos próximos cinqüenta anos. Quem saberá?
Pois agora, em 2011, a situação está flexibilizada de vez. A França está se adaptando rapidamente aos novos donos do dinheiro: os BRIC. As pesquisas de 2010 apontam que o maior número de turistas estrangeiros na França, em Paris em especial, são os chineses, seguidos de indianos e brasileiros. Ocorre que depois da crise de 2008, esses países emergentes, que conseguiram driblar a derrocada financeira a partir dos EUA, tiveram suas moedas mais valorizadas em relação ao dólar e ao euro e com isso o aumento de viagens e compras no exterior. Mas não é só disso que se trata. Chineses e indianos, sobretudo, começaram a ganhar uma classe média e média/alta que não tinham antes de 2000. Os dois países ganharam novos milionários em pouquíssimo tempo, enquanto o Brasil teve ampliada a sua classe C, numa ascensão das classes D e E. Mas as nossas classes A e B ganharam poder de compra e o parcelamento das viagens. De um total de 8,5 milhões de pessoas que visitaram o Museu do Louvre no ano de 2010, 410 mil foram brasileiros, contra 650 mil estadunidenses. O Brasil ocupava em 2007 o 11º lugar em número de visitantes ao Louvre.
O dinheiro em novas mãos exige mais do que falar o idioma. É preciso se adaptar às diferentes culturas e, portanto, comportamentos. Enquanto os brasileiros buscam uma culinária francesa sofisticada nos Bistrô e Brasseries, os indianos e chineses insistem em comer algo mais próximo à suas culturas. Assim, restaurantes e casas de shows passaram a oferecer pratos indianos e chineses para satisfazer sua clientela. Nas lojas falam-se então o português, o russo e o chinês. Indianos que viajam falam inglês.
No século 21 o mundo Ocidental vai rapidamente se caracterizando por uma sociedade de etnias. Nos países europeus que um dia mantiveram colônias e que hoje recebem gente de diferentes etnias, cada vez mais a paisagem sofrerá interferências que, a exemplo de Paris, vai muito além dos anúncios de Cuscuz Marroquino. Lojas, trajes, dialetos, religiões, comportamentos e distintos traços culturais se instalam por toda a Europa. E isso é definitivo. Já nos Estados Unidos, as comunidades latinas e asiáticas tomam conta de algumas regiões até mesmo politicamente. Trajes, festas e restaurantes de comidas latino americanas e asiáticas são comuns. Prefeitos e governadores das colônias hispânicas também retratam algo que vai além da mudança do dinheiro de mãos. Pode estar em curso uma grande mudança no destino dessas nações. O fluxo de turistas é só uma frágil ponta desse Iceberg.

Um comentário:

  1. Zé Ruy meu amigo mais novo,

    O que voçe escreveu eu presenciei nestes dois anos passados!
    Como o Felipe (Peco) e Gabriela (Gabi) moram à 5 anos em Paris, onde trabalham os dois como arquitetos, tenho ido nas férias de julho (verão e alta temporada).
    Em 2009 marquei e encontrei com o João Carlos Scatena em Paris voltando à trabalho de Pequim. Êle vai pelo menos três vezes por ano para lá. Saimos pela "Cidade Luz" eu a Bia e o próprio vestindo uma camiseta preta com dizeres escrito em chines e em branco: "tô duro", ou "não tenho dinheiro".
    Em baixo da Torre Eifel e naquele mar de olhos puxados notavamos que os grupos que riam eram chineses!
    Em frente ao Museo do Quai D'Orsay
    Helcio Cremonese

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